A arte da escrita leva
vantagem no duradouro relacionamento com a ciência exata. Da interação, surgiu
o subgênero "ficção matemática", cujo expoente brasileiro é Júlio
César de Melo e Sousa, mais conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan.
A voz romântica de Roberto
Carlos usou uma expressão matemática, em 1971, para resumir uma fossa amorosa:
“Tudo em volta está deserto, tudo certo. Tudo certo como dois e dois são
cinco”. Muito antes de a canção composta por Veloso existir, contudo, o
escritor George Orwell havia mencionado a soma com resultado errado no clássico
1984 (1949). Era exemplo de falso dogma (se todo mundo acredita, isso se torna
verdade?). Mas ele também não foi o primeiro. Quase um século antes de Orwell,
Dostoievski já relativizava a questão em Notas do subterrâneo (1864):
"Seja como for, ‘duas vezes dois igual a quatro’ é bem insuportável. (...)
De mãos nos quadris, ela se atravessa no caminho e nos cospe na cara. Admito
que seja uma coisa excelente, mas, se é preciso louvar tudo, eu vos direi que
‘duas vezes dois igual a cinco’ é também, às vezes, uma coisinha muito
encantadora”.
Não é possível precisar ao
certo quando começou o namoro entre literatura e matemática, mas sem dúvida a
arte da escrita leva vantagem no duradouro relacionamento com a ciência exata.
Da interação, surgiu o subgênero literário “ficção matemática”, do qual um dos
maiores expoentes brasileiros é Júlio César de Melo e Sousa (1875-1974), mais
conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan, com o qual assinou o bestseller O homem
que calculava (1938), agora relançado pela editora Record, em comemoração aos
120 anos de nascimento do autor, um dos ocupantes da Academia Pernambucana de
Letras, embora fosse carioca.
No clássico da literatura
brasileira, traduzido para mais de dez idiomas, um jovem árabe conquista reis,
poetas e sábios ao resolver problemas aparentemente sem soluções por meio do
raciocínio lógico. “Na obra do matemático e romancista as fórmulas ou equações
matemáticas surgem de maneiras tão sutis quanto o conteúdo literário, como
também ocorre em algumas publicações de Monteiro Lobato e Lewis Carrol (autor
de Alice no País das Maravilhas)”, diz o doutor em educação matemática Maurílio
Antônio Valentim, professor do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
Se, para alguns, os
cálculos, fórmulas e medidas soam pouco atraentes (talvez fruto de traumas
decorrentes do ensino fundamental e médio), esse universo ganha novos ares
quando associado à habilidade de escrever de maneira lúdica. Ao fazer as pazes
com os números, fica mais evidente o potencial da matemática de seduzir por
meio da complexidade, da precisão, dos enigmas, de quebrar a cabeça do leitor.