Luiza Copietters nasceu em
um corpo masculino, mas tinha fascinação e desejo pelo universo feminino. Aos 5
anos, ao ver uma estrela cadente, fez seu pedido infantil: queria virar uma
menina. Atualmente, aos 36 anos, Luiza se identifica como mulher transexual.
Desempregada, ela luta para mudar seu nome de registro e ser respeitada como
mulher.
Até 2012, quando começou a
fazer a sua transformação, Luiza era o professor Luizão e dava aulas em um
colégio particular em São Paulo. No final de 2014, ela resolveu assumir a
transexualidade e contar aos professores e alunos da escola.
“Quando o assunto chegou à
direção, a coisa ficou complicada. Reduziram muito as minhas turmas e meu
salário – de maneira ilegal. Comecei a sentir paranoia e depressão. Entrei em
pânico e tive que sair de licença médica. Após a licença, fui demitida”, conta.
O caminho percorrido por Luiza,
desde a infância até a transformação (quando a pessoa inicia a mudança de
visual, o tratamento hormonal e escolhe o nome social), é semelhante ao
percorrido por muitos homens e mulheres trans. Um caminho longo, de aceitação e
luta.
Para a psicóloga e
coordenadora do grupo de apoio a transexuais do Hospital Universitário de
Brasília (HUB), Sandra Romero Studart, os transexuais se veem diferentes desde
a infância, com 4 ou 5 anos de idade.
“Vão percebendo que estão
fora daquele modelo de gênero que é cobrado deles. O menino tem que brincar com
a bola, a menina, com a boneca. Nesta sexta já se transita isso de uma forma
diferente. O masculino e o feminino transitam em todas as áreas sem tanta
pressão. Não que seja fácil para essas pessoas, mas acho que, se compararmos
com antigamente, as pressões para assumir a sua identidade, sua orientação,
elas vêm bem menos sofridas”, afirma Sandra.
Chopelly Glaudystton, 33
anos, transexual e ativista, conta que se sentia mulher desde pequena. “Mas na
minha época não tinha muita compreensão, a imagem que a gente tinha era da
Roberta Close. Hoje você tem muita coisa falando sobre transexualidade o que
ajuda as meninas novas que estão se descobrindo. Mas na minha época foi
bastante difícil.”
Sandra acompanha um grupo de
aproximadamente 47 transexuais no HUB e explica que não é necessário passar
pela cirurgia de transgenitalização (mudança de sexo) para ser atendido ou
considerado transexual.
“Há dez anos, a gente achava
que o paciente trans estava no grupo porque ele faria a cirurgia. Hoje em dia
não se fala mais isso. Para ser trans, não é preciso fazer a cirurgia. Para ter
seu nome modificado, não é preciso passar pela cirurgia. Essas mudanças são
muito ricas nesse processo”, afirma.
Para a psicóloga e doutora
em Psicologia Social pela Universidade de Brasília (UnB) Jaqueline Gomes de
Jesus, a transexualidade é uma questão de identidade. “Não é uma doença mental,
não é uma perversão sexual, nem é uma doença debilitante ou contagiosa. Não tem
nada a ver com orientação sexual, como geralmente se pensa, não é uma escolha
nem é um capricho”, diz Jaqueline no documento Orientações sobre Identidade de
Gênero: Conceitos e Termos.
Com relação à orientação
sexual, Jaqueline explica que uma pessoa trans pode ser bissexual, heterossexual
ou homossexual. Portanto, mulheres transexuais que se atraem por homens são
heterossexuais. Já mulheres trans que se atraem por outras mulheres são
homossexuais.
É o caso de Luiza. “Em 2012,
eu estava num restaurante com um amigo meu e vi um casal de mulheres lésbicas,
namoradas. Fiquei com um mal estar enorme porque pensei: nunca vou poder viver
isso”, conta. Foi aí que ela descobriu que, apesar de se identificar com o
gênero feminino, ela continuava gostando de mulheres. Luiza se identifica como
uma transexual lésbica.
Ela conta que quer passar
pelo processo de redesignação (outro nome para a mudança de sexo) e reclama da
demora nas listas do serviço público para fazer a cirurgia. De acordo com o
Ministério da Saúde, a cirurgia é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde
agosto de 2008. Até abril de 2015, foram realizados 268 procedimentos.
Autoestima
A coordenadora do grupo de
apoio a transexuais do Hospital Universitário de Brasília (HUB) diz que observa
um grande resgate da autoestima entre as pacientes que fizeram a operação.
“Elas ficam mais empoderadas para brigar pelas coisas que elas querem. Eu vejo
muitas conquistas”, afirma.
Fabiana Melo Oliveira conta
que fez a cirurgia há 13 anos, em Barcelona, na Espanha. “Entrei na sala de
cirurgia às seis da tarde e saí meia-noite. Naquela época demorava muito, hoje
não é tanto. A dor que eu senti era uma dor suportável, a felicidade era maior.
Para mim, era uma necessidade. Eu não me via com a minha genitália”, explica
Fabiana.
Em novembro de 2013, o
Ministério da Saúde, por meio da Portaria n° 2.803, ampliou o processo
transexualizador no sistema público de saúde, aumentando o número de
atendimentos e incluindo procedimentos para redesignação sexual de mulher para
homem. Neste caso, o SUS realiza cirurgias para a retirada de mamas, útero e
ovários.
A redesignação de homem para
mulher inclui a amputação do pênis e a construção da neovagina (nome dado ao
novo órgão), implante de próteses de silicone nas mamas e redução do pomo de
adão com objetivo de feminilização da voz.
Em ambos os casos são feitos
o acompanhamento clínico e a terapia hormonal por dois anos antes da cirurgia e
até um ano no pós-operatório. A idade mínima para o início da terapia com
hormônios é 18 anos e para a realização dos procedimentos cirúrgicos é 21 anos.
Apenas cinco hospitais
universitários são habilitados pelo Ministério da Saúde para a realização do
processo transexualizador: o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
Goiás (UFG), em Goiânia (GO); o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); o Hospital Universitário Pedro
Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); a Fundação
Faculdade de Medicina, da Universidade de São Paulo (USP); e o Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife.
Da ABr.
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