Qual o limite entre exercer sua liberdade de expressão e
ofender uma das religiões com maior número de seguidores no planeta? Os
protestos em todo mundo islâmico iniciados no último dia 11 de setembro, em
resposta ao filme A inocência dos muçulmanos já causou dezenas de mortes, entre
elas a do embaixador americano na Líbia, Christopher Stevens, vitimado ainda no
primeiro dia. A principal queixa dos muçulmanos é a forma completamente
desrespeitosa com que o profeta Maomé é retratado no vídeo, e isso teria sido o
combustível para a fúria nas manifestações. Por que a representação do maior
líder da religião islâmica causa tanta comoção? O que leva um filme de
baixíssima produção feito nos Estados Unidos a acender uma crise internacional
no Oriente Médio?
Antes de mais nada, é preciso considerar que fazer uma
representação gráfica ou em vídeo do profeta Maomé é proibida na religião
muçulmana. “Quando começou a propagar sua fé, Maomé precisava se distanciar dos
cultos pagãos que existiam na Arábia, e para isso precisava combater também a
idolatria”, explica Alberto Bret, colaborador do Centro Islâmico do Recife.
“Isso acontece não só com Maomé. Um dos pilares da fé
islâmica é a crença em todos os profetas, desde Noé até Maomé, passando por
Abraão, Moisés e Jesus. Respeitamos e amamos todos eles. Então não se deve
brincar com essas coisas que são sagradas dentro da religião”. Na visão do
Islã, criar imagens dessas pessoas poderia levar à idolatria, que vai contra a
crença muçulmana. “O fiel pode começar, por exemplo, a orar para
aquela imagem, conversar com ela e até fazer pedidos. No islamismo, todas as nossas orações são dirigidas à Deus e nenhum outro, por isso a proibição”, explica Bret.
Isso não significa que representações humanas são
completamente proibidas no Islã. “Existem filmes que retratam a vida do profeta
Maomé, mas sempre sem mostrar sua fisionomia ou a sua voz. O mais importante é
a mensagem”, lembra Bret. Ou seja: se feito de forma respeitosa e seguindo as
orientações do Alcorão (o livro sagrado do islamismo), não tem problema. Mas,
quando se faz um filme que descreve Maomé como mulherengo e pedófilo, entre
outros adjetivos não tão agradáveis, uma reação é certa: revolta.
Todos os aspectos da vida do muçulmano são regidos pela
religião. Mais do que um livro de dogmas ou de moral, o Alcorão funciona ainda
como um registro das leis islâmicas e um manual de como a pessoa deve levar sua
vida. Quando um desses aspectos é atacado.
Em se tratando do profeta Maomé, o problema pode ainda se
agravar, já que ele é o modelo para todo muçulmano. “Nos livros sagrados do
Islã, Maomé é tido como um exemplo a ser seguido em todos os aspectos. Desde o
comportamento em relação às outras pessoas até o que come e o modo como anda”,
explica a diretora do Centro de Estudos Árabes (Cear) da Universidade de São
Paulo (USP), Arlene Elizabeth Clemesha.
Atacar a imagem do profeta é o mesmo que agredir a cada fiel
islâmico em particular, uma ofensa que se agrava pelo fato do filme ter sido
feito nos Estados Unidos. “Existe no Oriente um sentimento muito forte de
antiamericanismo por causa da política intervenção e de domínio que os EUA e o
os países da Otan vêm empregando nos últimos anos sobre as nações árabes. A
região é um barril de pólvora, onde qualquer provocação se torna uma faísca”,
acredita Clemesha.
Muitos analistas acreditam que o objetivo dos produtores do
filme é justamente acender o pavio deste barril de pólvora. “Responder com
violência, com ignorância, aumentando mais o caos, é exatamente que o agressor
espera dos muçulmanos. Agredir para que os muçulmanos caiam na armadilha,
respondendo com a mesma violência”, afirma o egípcio Mohamed Habib, vice-presidente
do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe), com sede em São Paulo.
A principal arma de quem tem interesse em desestabilizar a
região, para Habib, é justamente a falta de conhecimento que o Ocidente possui
dos costumes dos muçulmanos. “É uma prática extremamente antiética agredir a
segunda maior comunidade religiosa no planeta naquilo que é mais sagrado na sua
existência, a sua crença. Os produtores dessa fita, sem perceber, acabaram por
revelar a sua total ignorância sobre a fé islâmica”, completa.
Outro fruto da falta de conhecimento é associar os
manifestantes à radicais islâmicos e generalizar os muçulmanos como fanáticos
religiosos. “Convencionou-se, no Brasil, chamar todo radical de ‘xiita’. Essa
associação é racista e errada, já que da mesma forma que existem sunitas
conservadores, existem também xiitas liberais. E os protestos são mais fortes
em países sunitas”, conta Arlene.
Alguns dos protestos mais violentos são creditados aos
salafistas jihadistas, corrente extremista com crescente pregação social,
formada principalmente por sunitas. “Mas é preciso sempre lembrar que a
população dos países envolvidos deve estar tão assustada com a violência dos
protestos quanto nós”, acredita Clemesha.
Mohamed Habib destaca que muitos preceitos muçulmanos
condenam a violência que está acontecendo no Oriente Médio. “Eles devem se
manter numa posição moderada e equilibrada, seguindo o que consta no Alcorão”.
O Islã, além da moderação e equilíbrio, ensina a misericórdia. Deus disse ao
profeta: ‘nós não te enviamos a não ser como misericórdia para o mundo inteiro.
Do JC Online.
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