Apesar de 20 anos de
iniciativas para reduzir a disparidade vivida pelos negros na sociedade
brasileira, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que o País
"fracassou" em mudar a realidade de discriminação e da pobreza que
afeta essa parcela da população. Num raio X da situação da população
afro-brasileira que será apresentado nesta segunda-feira (14) no Conselho de
Direitos Humanos, a ONU aponta que houve "um fracasso em lidar com a
discriminação enraizada, exclusão e pobreza enfrentadas por essas
comunidades" e denuncia a "criminalização" da população negra no
Brasil".
O documento obtido pela
reportagem foi preparado pela relatora sobre Direito de Minorias da ONU, Rita
Izak, que participou de uma missão no Brasil em setembro do ano passado. Suas
conclusões indicam que o mito da democracia racial continua sendo um obstáculo
para se reconhecer o problema do racismo no Brasil. "Esse mito contribuiu
para o falso argumento de que a marginalização dos afro-brasileiros se dá por
conta de classe social e da riqueza, e não por fatores raciais e discriminação
institucional", constatou a relatora.
Para ela,
"lamentavelmente, a pobreza no Brasil continua tendo uma cor". Das
16,2 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza no País, 70,8% deles são
afro-brasileiros. Segundo o levantamento da ONU, os salários médios dos negros
no Brasil são 2,4 vezes mais baixos que o dos brancos e 80% dos analfabetos
brasileiros são negros.
Para ela, os
afro-brasileiros continuam no ponto mais baixo da escala sócioeconômica do
Brasil. "64% deles não completam a educação básica", alerta. Em sua
avaliação, mesmo com projetos como Bolsa Família, a "desigualdade
continuou" para os afro-brasileiros.
O impacto dessa situação
social é que muitos "vivem às margens da sociedade". "Para a
juventude, o acesso limitado à educação de qualidade, a falta de espaços
comunitários, altas taxas de abandono da escola e crime significam que tem
poucas ambições ou perspectivas de vida."
As cotas em diversas
instituições, ainda que tenham sido elogiadas pela ONU, não foram suficientes
ainda para ter um impacto maior. Rita lamenta o fato de o sistema não existir
no Legislativo, no Poder Judiciário e também de não ser aplicável para postos
de confiança.
No Judiciário, apenas 15,7%
dos juízes são negros e não existe nenhum atualmente no Supremo Tribunal
Federal. " Na Bahia, onde 76,3% da população se identifica como
afro-brasileira, apenas 9 dos 470 procuradores do Estado são
afro-brasileiros", indicou. No Congresso, apenas 8,5% dos deputados são
negros.
Violência
Um dos aspectos tratados
pela ONU é o impacto da violência nessa parcela da população. Rita se disse
"chocada com os níveis de violência no Brasil".
"Lamentavelmente, a violência tem uma clara dimensão racial", disse.
Dos 56 mil homicídios no Brasil por ano, 30 mil envolveram pessoas de 15 a 29
anos. Desses, 77% eram garotos negros.
Segundo o levantamento da
ONU, os números de afro-brasileiros que morreram como resultados de operações
policiais em São Paulo são três vezes superiores do que é registrado com a
população branca. No Rio de Janeiro, 80% das vítimas de homicídios resultante
de intervenções policiais são negros. "Movimentos sociais já chamam a
situação de genocídio da juventude negra", apontou a relatora.
A impunidade também
contribui para esse clima de violência. De 220 casos de homicídios cometidos
pela polícia e investigados em 2011, apenas um deles foi condenado. "Dada
a natureza totalmente generalizada da impunidade, testemunhas raramente vão se
pronunciar, temendo retaliação", indicou.
Criminalização
O que ainda chama a atenção
da ONU é o que a relatora chama de "criminalização dos
afro-brasileiros". "Estima-se que 75% da população carcerária no
Brasil seja de afro-brasileiros. Estudos ainda mostram que, se condenados,
afro-brasileiros são desproporcionalmente sujeitos à prisão."
Os negros têm ainda mais
chances de serem parados pela polícia e aqueles que são pegos com drogas,
maiores chances de serem denunciados por tráfico. "Desde 2005, quando as
novas leis de combate às drogas entraram em vigor, o número de pessoas presas
por questões relacionadas às drogas aumentou em 344%", apontou Rita.
Na avaliação da relatora, a
proposta de redução da idade penal de 18 para 16 anos ainda "perpetuaria a
criminalização da comunidade afro-brasileira". As mulheres negras
brasileiras também tem sua situação minada pela cor, o que "exacerba sua
marginalização". Em 2013, 66% a mais de mulheres afro-brasileiras foram
mortas, na comparação às mulheres brancas.
Do Estadão.
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