A resolução 23.465,
publicada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 17 de dezembro, causou
polêmica e insegurança jurídica entre partidos políticos e especialistas em
direito eleitoral e, segundo estudo obtido com exclusividade pelo Broadcast
Político, poderia inviabilizar a disputa à prefeitura de praticamente um quarto
dos municípios brasileiros.
De acordo com o levantamento
feito pelo cientista político Humberto Dantas, professor do Insper e da
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), 24% das cidades
teriam um ou nenhum candidato no próximo pleito caso a nova regra seja posta em
prática.
O artigo 39 da resolução do
TSE exige que as comissões provisórias criadas pelos partidos em Estados e
municípios convoquem convenções para eleição de dirigentes locais o que, na
avaliação de especialistas, acaba exigindo que os partidos criem diretórios nas
localidades. Enquanto as comissões provisórias são estruturas mais simples,
apontadas pela direção nacional de cada sigla, os diretórios têm maior
organização, com líderes eleitos pela base.
"As anotações relativas
aos órgãos provisórios têm validade de 120 dias. Em situações excepcionais e
devidamente justificadas, o partido político pode requerer ao presidente do
Tribunal Eleitoral competente a prorrogação do prazo de validade previsto neste
artigo, pelo período necessário à realização da convenção para escolha dos
novos dirigentes", diz o trecho do artigo que causou a confusão.
O texto da resolução
suscitou o debate do uso excessivo pelas legendas de comissões provisórias em
substituição a diretórios municipais e estaduais. Mas o movimento da Corte foi
visto pelos representantes das siglas como tentativa de intervenção na
organização interna dos partidos e, no limite, um risco para as eleições deste
ano.
A polêmica foi tamanha que
mais de 20 partidos se reuniram e discutiram entrar com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pela impugnação
do artigo 39. Legendas de orientações das mais variadas, do PSDB ao PT, do PMDB
ao PSOL, DEM e PCdoB, se uniram no pleito.
Nesta terça-feira, 16,
advogados chegaram a se reunir com o presidente do TSE, José Dias Toffoli, que
disse que a Corte revisitaria a resolução. Nesta quarta-feira, o ministro
Henrique Neves da Silva, relator do caso, pediu à Procuradoria-Geral Eleitoral
um parecer sobre a reclamação das legendas.
No limite, os partidos temem
que a redação abra margem para que sejam impedidos de lançar candidatura
própria em municípios onde não têm diretório municipal. "A redação está
ruim. O TSE não poderia deixar uma redação que pode prejudicar tantos municípios",
disse ao Broadcast Político o advogado Alberto Luís Rollo, especialista em
direito eleitoral.
Se esse receio dos partidos
fosse levado a cabo, candidaturas de expressão que vêm sendo trabalhadas
poderiam ser inviabilizadas. São casos como de Celso Russomanno (PRB) em São
Paulo, de Pedro Paulo (PMDB), provável candidato à sucessão de Eduardo Paes
(PMDB) no Rio, e das candidaturas de reeleição de Geraldo Julio (PSB) no Recife
e de ACM Neto (DEM) em Salvador.
Levantamento do cientista político
Humberto Dantas antecipado pelo Broadcast Político, serviço de notícias em
tempo real da Agência Estado, mostra que 24% dos municípios brasileiros não têm
diretório de nenhuma ou de apenas uma legenda. "Em teoria, pode haver
disputa com apenas um nome, e isso acontece em algumas cidades, mas mostra que,
se o receio dos partidos estiver correto, a resolução do TSE impediria um
quarto dos municípios de ter eleição", diz Dantas.
Em alguns Estados, o impacto
seria ainda mais impressionante. Em nove deles, mais de 30% dos municípios
ficaria sem disputa. São eles Roraima, onde 60% das cidades contam com apenas
um ou nenhum diretório, Pernambuco (44,3%), Alagoas (44,1%), Goiás (41,4%),
Bahia (39,8%), Paraíba (36,8%), Pará (34%), Paraná (30,3%) e Tocantins (30%).
"Curiosamente, na outra
ponta, há Estados do Norte e do Nordeste com alta densidade de diretórios que
talvez poucos esperariam", comenta Dantas. Em Sergipe, Amapá, Acre e
Amazonas, todas as cidades têm pelo menos dois diretórios estabelecidos. Em São
Paulo, só 17 das 645 cidades não teriam mais que um candidato.
"O TSE tocou num ponto
importante da política partidária brasileira, mas quis reparar um problema de
cinquenta anos em uma canetada", avalia Dantas sobre a resolução.
"Esse tipo de atitude tem que ser de longo prazo, para que os partidos
consigam se organizar."
O advogado Alberto Luís
Rollo diz que tem mérito a intenção do TSE de tentar pôr limites ao uso de
comissões provisórias pelos partidos, mas avalia que a Corte se movimentou de
forma inadequada. "O uso exagerado das comissões provisórias se dá de
forma vergonhosa no Brasil. Há de fato diversos casos em que a direção nacional
aponta dirigentes como moeda de troca", afirma. "Acontece no País
inteiro e o TSE está certo de tentar moralizar a questão, mas isso teria que
ser feito da maneira correta, em discussão mais ampla com os partidos e com um
período de transição".
Entre advogados e ministros
que debateram o tema em diversos eventos neste início de 2016, o comentário é de
que tal aplicação da lei não seria permitida porque prejudicaria a disputa
democrática para a eleição de prefeitos em muitas cidades.
Ainda assim, os advogados de
partidos se mobilizam por uma "questão de princípio". "Ainda que
digam que as comissões provisórias poderão lançar candidato, que não dependeria
de diretório, o interesse dos partidos em recorrer do artigo 39 permanece. O
TSE foi muito exagerado na redação dessa resolução", diz Flavio Costa
Pereira, advogado do PSDB à reportagem.
A avaliação das legendas é
que seria um perigo abrir um precedente dessa importância com relação à
interferência da Justiça sobre a autonomia partidária garantida em
Constituição, especialmente quanto ao poder que o artigo 39 dá a presidentes de
tribunais regionais eleitorais para decidir sobre a prorrogação das comissões
provisórias. "Seria uma premissa importante de o Judiciário intervir na
maneira de organização, isso não é do interesse de nenhum partido",
complementou Rafael Carneiro, representante do PSB.
Do Estadão.
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