Recentemente, a ONU fez uma
recomendação no sentido de que não seja considerado crime o aborto de fetos com
microcefalia. Isso acirrou uma discussão jurídica sobre o tema no Brasil.
Afinal, em meio a esta praga do "Odiado-Aedes" que nos assola,
estaria liberado o aborto para casos comprovados de microcefalia (fetos com
cérebro diminuído)?
E podemos afirmar que a
resposta é não! A legislação brasileira é bastante específica ao relacionar os
casos de excludente de criminalidade no caso de aborto, e são apenas três:
quando a gravidez é resultante de estupro, quando ela traz risco de morte para
a mãe e a de fetos com anencefalia (fetos sem cérebro).
As duas primeiras hipóteses
estão previstas em lei. Não há muito o que discorrer. Não seria justo e nem
moralmente aceito que uma mulher fosse obrigada a dar à luz um filho de seu
estuprador ou que corresse risco de morte em razão de sua gravidez. E por isso
mesmo o artigo 128 do Código Penal não deixa dúvidas: "Não se pune aborto
praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II
– se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal" .
Já com relação aos casos de
anencefalia não há expressa previsão legal. Ocorre que o Supremo Tribunal
Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número
54, decidiu pela possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos.
Nesse caso, entendeu a Corte maior do país que não se poderia obrigar uma
gestante a carregar por nove meses um feto que ao nascer não teria chances de
ver a luz do sol.
Esses três e apenas esses
três casos estão previstos no ordenamento jurídico vigente no Brasil. Então,
como facilmente se percebe a lei brasileira não permite o aborto no caso de
fetos com microcefalia.
A discussão não está isenta
de paixões. Por isso é importante fundamentar e pautar o assunto à luz da
Constituição Federal, a nossa lei maior. A questão mais do que legal é
constitucional.
Para começar há o princípio
(insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição), no qual o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana garante a promoção do bem de todos, sem qualquer
discriminação, o que não exclui fetos portadores de microcefalia. Ademais, o
artigo 5º § 3º da CF/88 diz que "os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais".
Ora, o Brasil é signatário
do pacto internacional sobre direitos civis e políticos, publicado em 07 de
julho de 1992 no Diário Oficial da União. E este, em seu artigo 6º, item 01,
estabelece: "O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito
deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de
sua vida".
Sem dúvida alguma, como
facilmente se percebe, a vida latente no feto com microcefalia está protegida
constitucionalmente e internacionalmente em todos os tratados de direitos
humanos. Nem se argumente que, por analogia, a microcefalia poderia
equiparar-se à anencefalia, na medida em que o princípio da legalidade afasta a
analogia em leis penais incriminadoras.
Somente com a evolução das
pesquisas médicas e, posteriormente, um ato do Poder Legislativo (Congresso
Nacional) modificando a lei vigente no país, poderá, futuramente, ser
descriminalizado o aborto nesse caso específico. Até lá, a prática do aborto na
hipótese de microcefalia continua sendo crime no Brasil.
Do UOL.
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