Até recentemente, nunca avaliei a real dimensão e
importância dessa norma jurídica, que completou seis anos de existência no
Ordenamento Jurídico brasileiro. De modo geral, não fazemos ideia de que essa
lei representa um avanço e um marco libertador para muitas mulheres. Já ouvi
muitas pessoas – homens, principalmente – criticarem essa Lei e se manifestarem
sobre o quanto ela é injusta. Seria uma proteção excessiva utilizada de forma
leviana por muitas mulheres para afastar cônjuges e companheiros que se
tornaram indesejáveis. Ou que a Lei Maria da Penha seria coisa para mulheres
pobres, sem auto estima e que não têm qualquer critério para eleger os seus
parceiros, com os quais construíram uma relação de amor e ódio. Como se a
violência somente vitimasse mulheres de baixa renda. Como se mulheres com poder
aquisitivo também não pudessem, em determinado momento de suas vidas, serem
vítimas de violência física ou psicológica perpetrada por maridos,
companheiros, namorados, pais ou irmãos.
A maior parte das pessoas não tem a menor ideia de como uma
relação abusiva nasce e se desenvolve. É insidiosa. Ela não se mostra maléfica
desde o início. Os prejuízos só são sentidos quando a vítima se encontra
completamente presa ao agressor, quando não suporta mais o sofrimento e quando
começa a enxergar esse sofrimento como algo injustificável. E o agressor não é
somente um indivíduo com caráter marginal, pobre e sem grau de instrução. O
agressor pode ser rico ou pobre, feio ou bonito, analfabeto ou com alto grau de
instrução. Se um homem tem natureza agressiva, histórico e vivência de abuso
sexista, ele é um potencial agressor, independente de sua classe social,
formação educacional, credo e raça. E o agressor não se revela mau o tempo
inteiro. Ele não externa em tempo integral o seu sadismo e nem o seu perfil
violento. Ora o agressor é muito bom, capaz de ser carinhoso, dar presentes e
de praticar atos de generosidade. Ora, é cruel, violento, ameaçador, capaz de
atos de intimidação impensáveis. E a violência não é somente física. Essa, pelo
menos, é visível, demarcável, periciável. É a prova inconteste e conclusiva
para identificar o agressor e a vítima.
Mas, na minha avaliação pessoal, a pior violência é a psicológica,
que se
dá por meio da coação, do constrangimento, da ameaça e do abuso pelo
medo. A vítima fica confusa. A vítima se sente isolada. A vítima sente vergonha
e impotência. A vítima tem medo de adotar uma providência e sofrer uma reação
imprevisível. A vítima tem medo de tomar uma atitude e ser responsabilizada
pela situação que vem sofrendo. A vítima tem medo de tomar a iniciativa e não
ter qualquer apoio, qualquer auxílio e ficar, ao final, sozinha e a mercê do
agressor. A vítima sente vergonha porque a situação chegou a esse estágio;
sente vergonha do julgamento moral que vai sofrer das outras pessoas. Por que
“você” não evitou? Por que “você” não se afastou? Por que “você” permanece com
ele? De início, a violência é um segredo íntimo. Depois, passa a ser algo que a
vítima tenta esconder de todos. Por fim, passa a ser algo que a vítima faz de
conta que não existe ou até mesmo menospreza a sua gravidade, para evitar
comentários e censuras. E a vergonha não afeta a vítima somente. A vergonha é
extensível a toda família. A perplexidade toma conta. Afinal, como é possível
acontecer isso com tua mãe, tua filha, tua irmã, tua amiga? Muitas vezes, a
família até se afasta para não se deixar contaminar ou simplesmente para
ignorar o que acontece. Afinal, em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher, diz o velho e machista ditado popular.
É essa inércia e falta de amparo que muitas vezes leva a
vítima a suportar a violência até resultar num desdobramento trágico Mas se a
vítima é amada e encontra apoio familiar, a família sofre junto. Cada
violência, coação, ameaça e constrangimento é sentido na própria pele. Cada
lágrima que a vítima derrama, também é uma lágrima vertida pela sua família. A
infelicidade da vítima é a infelicidade de toda sua família. E a família sofre
ainda mais quando, apesar de conjugar todo esforço, apoio e até mesmo orações,
não consegue cessar ou minimizar a violência física ou moral sofrida pela
vítima. O agressor não se intimida mesmo quando constata que a sua vítima não
está só. Ele fica em vigília, procurando emboscar porque, em determinado
momento, a vítima vai estar só. Se você não conhece uma mulher que seja vítima
de violência, fico feliz por você. Mas se você conhece e a vítima é uma pessoa
que você ama muito, você sabe o que é impotência e sofrimento. Você sabe como é
difícil e como leva tempo o processo de se libertar de uma relação abusiva. O
primeiro passo, que por incrível que pareça é muito difícil, é superar a
vergonha e constrangimento de se sentir nessa situação humilhante; é reconhecer
a sua condição de vítima e buscar auxílio.
Busque apoio de sua família e de amigos. Exponha a sua
situação. Não omita a violência que você vem sofrendo. A sua família pode ser a
sua fortaleza. E o agressor conta com o teu silêncio e medo. Busque atendimento
em centros de apoio a mulheres vítimas de violência. Nesses locais, você
encontra orientação psicológica e jurídica e vai ter contato com outras
mulheres que vivenciaram a mesma situação e conseguiram se libertar. Ligue para
o 180 – Centro de Atendimento a Mulher, mantido pelo Governo Federal. Busque a
Delegacia da Mulher mais próxima de sua residência. Nessas delegacias
especializadas, as autoridades policiais tem o perfil e preparo para lidar com
situações de violência contra a mulher porque essa é a rotina de trabalho
deles. Eu aconselho toda mulher ler, ao menos uma vez, a Lei Federal nº 11.340
- a Lei Maria da Penha, para conhecer os mecanismos legais existentes a favor
da mulher vítima de violência. Eles funcionam e estão a seu favor. Você não é
culpada; você é vítima e tem o direito de se livrar dessa relação de violência
e abuso.
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