Quase um em cada quatro brasileiros (23%) afirma que dar
dinheiro a um guarda para evitar uma multa não chega a ser um ato corrupto, de
acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais e o
Instituto Vox Populi. Os números refletem o quanto atitudes ilícitas, como
essa, de tão enraizados em parte da sociedade brasileira, acabam sendo
encarados como parte do cotidiano.
"Muitas pessoas não enxergam o desvio privado como
corrupção, só levam em conta a corrupção no ambiente público", diz o
promotor de Justiça Jairo Cruz Moreira. Ele é coordenador nacional da campanha
do Ministério Público "O que você tem a ver com a corrupção", que
pretende mostrar como atitudes que muitos consideram normal são, na verdade, um
desvirtuamento ético.
Como lida diariamente com o assunto, Moreira ajudou a BBC
Brasil a elaborar uma lista de dez atitudes que os brasileiros costumam tomar e
que, por vezes, nem percebem que se trata de corrupção. Confira a lista:
- Não dar nota fiscal
- Não declarar Imposto de Renda
- Tentar subornar o guarda para evitar multas
- Falsificar carteirinha de estudante
- Dar/aceitar troco errado
- Roubar TV a cabo
- Furar fila
- Comprar produtos falsificados
- No trabalho, bater ponto pelo colega
- Falsificar assinaturas
"Aceitar essas pequenas corrupções legitima aceitar
grandes corrupções", afirma o promotor. "Seguindo esse raciocínio,
seria algo como um menino que hoje não vê problema em colar na prova ser mais
propenso a, mais pra frente, subornar um guarda sem achar que isso é
corrupção."
Segundo a pesquisa da UFMG, 35% dos entrevistados dizem que
algumas coisas podem ser um pouco erradas, mas não corruptas, como sonegar
impostos quando a taxa é cara demais.
Mas a sondagem também mostra dados positivos, como o fato de
84% dos ouvidos afirmar que, em qualquer situação, existe sempre a chance de a
pessoa ser honesta. A psicóloga Lizete Verillo, diretora da ONG Amarribo
(representante no Brasil da Transparência Internacional), afirma que em 12 anos
trabalhando com ações anti-corrupção ela nunca esteve tão otimista - e
justamente por causa dos jovens.
"Quando começamos, havia um distanciamento do jovem em
relação à política", diz Lizete. "Aliás, havia pouco engajamento em
relação a tudo, queriam saber mais é de festas. A corrupção não dizia respeito
a eles." "Há dois anos, venho percebendo uma grande mudança entre os
jovens. Estão mais envolvidos, cobrando mais, em diversas áreas, não só da
política."
Para Lizete, esse cenário animador foi criado por diversos
fatores, especialmente pela explosão das redes sociais, que são extremamente
populares entre os jovens e uma ótima maneira de promover a fiscalização e a
mobilização. Mas se a internet está ajudando os jovens, na opinião da
psicóloga, as escolas estão deixando a desejar na hora de incentivar o
engajamento e conscientizá-los sobre a corrupção.
"Em geral, a escola é muito omissa. Estão apenas
começando nesse assunto, com iniciativas isoladas. O que é uma pena, porque
agora, com o mensalão, temos um enorme passo para a conscientização, mas que
pouco avança se a educação não seguir junto", diz a diretora. "É
preciso ensinar esses jovens a ter ética, transparência e também a exercer
cidadania."
Os especialistas concordam que a corrupção do cotidiano
acaba sendo alimentada pela corrupção política. Se há impunidade no alto
escalão, cria-se, segundo Lizete, um clima para que isso se replique no
cotidiano do cidadão comum, com consequências graves.
Isso porque a corrupção prejudica vários níveis da sociedade
e cria um ciclo vicioso, caso de uma empresa que não consegue nota fiscal e,
assim, não presta contas honestamente.
De acordo com o Ministério Público, a corrupção corrói
vários níveis da sociedade, da prestação dos serviços públicos ao
desenvolvimento social e econômico do país, e compromete a vida das gerações
atuais e futuras.
BBCBrasil.
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