A imagem de crianças esquálidas de Vidas Secas não representa a
“nova estiagem” que vivemos. Programas de transferência de renda abrandaram a vergonha da
fome, mais são insuficientes. O flagelo é econômico. No Semiárido pernambucano, atividades produtivas
foram quase dizimadas. Só na pecuária, o prejuízo é de R$ 1,5 bilhão. Há 2 anos
não cai chuva suficiente para plantar feijão e milho. O verão prolongado
comprometeu até a produção irrigada. Entre os meteorologistas é consenso que as
previsões para os próximos três meses não são otimistas.
“Se não chover dentro de mais um
mês vou abrir a porteira do curral e deixar o gado ir embora”, confessa,
desolado, o pequeno criador Sebastião Curvelo, de Bom Conselho (Agreste).
Bastim, como é conhecido no campo, admite abandonar a atividade de uma vida
inteira, por falta de condições para alimentar os animais. Desde que a estiagem
se prolongou, o produtor divide o dinheiro da aposentadoria rural com os
bichos. “Fico com uma parte para a feira da família e o restante gasto com
eles, mas não tô aguentando”, diz.
Anêmicas e desnutridas, as vacas
quase não produzem mais leite e deixam de gerar renda para virar um fardo.
“Hoje a boia delas é folha de bananeira. Compro uma carrada por R$ 200 e ainda
tenho que pagar mais R$ 200 pelo frete”, calcula Bastim, que chegou a ter 60
animais, mas hoje só restam 13. Uma parte vendeu barato e outros morreram de
inanição.
A terra esturricada e sem pasto
obriga os criadores a uma rotina de peregrinação pelo Semiárido em busca de
água e comida para os animais. Referência de uma pequena produtora que
conseguiu estruturar seu sítio, Maria Tito Luz, de 51 anos, vendeu uma casa e
pediu empréstimo para manter o curral vivo, no distrito de Barra do Brejo, em
Bom Conselho. Os barreiros secaram e a silagem armazenada para dar ao gado na
estiagem só durou seis meses. “A última trovoada que deu por aqui foi em junho
de 2012, mas foi fraca. Nasci e me criei por essas bandas e nunca vi uma seca
dessas”, diz.
Os carros-pipa do Exército, do
Estado e da prefeitura nunca deram o ar da graça em Barra do Brejo. Maria é
obrigada a desembolsar R$ 120 por semana num pipeiro para encher o barreiro
onde os bichos matam a sede. O sol a pino e o céu sem nuvem, de um azul
estridente, fazem a água evaporar rápido. Junto com os irmãos que moram na
vizinhança, a criadora cotiza a compra de palma, vai buscar cana-de-açúcar
doada pelo governo e disputa espaço nos mananciais onde resta uma nesga de
água.
“Se a praga (da cochonilha do
carmim) não tivesse acabado com a palma, nossa situação seria diferente. Ela
era a salvação do gado. Hoje, precisamos buscar a planta em Alagoas. Pagamos R$
600 por um caminhão pequeno e quem vende ainda nos obriga a cortar o caule e
carregar o caminhão”, conta.
Com a altivez da mulher do campo
e um empréstimo que conseguiu tirar (a muito custo) no Banco do Nordeste, Maria
vai conseguindo afastar, enquanto pode, o fantasma da morte de seu rebanho.
“Ainda cheguei a perder cinco reses”, contabiliza. Dos 30 animais que ficaram,
vendeu dez (cada um por R$ 500,00) para dar de comer e beber ao restante. Toda a
persistência é para manter a criação viva, porque a produção de leite e a
geração de renda definhou junto com as vacas. “Faísca era minha melhor matriz.
Dava até 12 litros de leite por dia. Hoje (mal alimentada) não faz nem três
litros”, compara.
Quem não se empenhou ou não teve
a mesma sorte que Maria viu a seca levar os bichos. Os cemitérios de carcaças
de animais se espalham por todo o Agreste e Sertão do Estado. É o retrato de uma terra arrasada,
que perdeu metade do seu rebanho bovino. “Num intervalo de 10 anos, o plantel
pernambucano disparou de 1 milhão para 2,5 milhões de cabeças de gado”, compara
o secretário estadual de Agricultura, Ranilson Ramos. Em 2 anos de seca, a
tradicional bacia leiteira do Estado retrocedeu ao que era há uma década.
O colapso na oferta deixou de
balde na mão um parque industrial inteiro e alçou o preço do leite de
Pernambuco ao mais caro do País. Gigantes como a Brasil Foods (dona da Sadia e
Perdigão), Betânia e Lácteos Brasil (LBR) estão com suas fábricas ociosas e já
dispensaram pessoal. No mercado, a informação é que a Perdigão/Batavo, em Bom
Conselho, já teria demitido 93 funcionários e tem outra lista de 100 cortes
prevista para este mês.
“Antes da seca processava 150 mil litros na fábrica, hoje só
consigo captar 50 mil litros”, lamenta o dono da Bom Leite, Stênio Galvão. O
laticínio de São Bento do Una (Agreste) está comprando leite em pó para
fabricar suas bebidas fermentadas.
“O volume diário de leite no
Estado não roda sequer três indústrias, que dirá o mercado inteiro, que inclui
laticínios menores e queijarias”. Pesquisa da Secretaria
de Agricultura e Reforma Agrária (Sara) do Estado, em parceria com a
Universidade de São Paulo (USP) em 600 propriedades do semiárido, mostra que a
produção de leite despencou 72% e que 17% dos criadores venderam (ou perderam)
seus animais e saíram da atividade. O mais dramático é que 80% da atividade
estava na mão de pequenos produtores, que levaram décadas para construir um
ativo agora arruinado.
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